Resenha Histórica


Em Setembro de 1966, a serra de Sintra era motivo de notícia, nos jornais nacionais e estrangeiros. Não pela sumptuosidade do seu património histórico-natural, mas antes, devido à violência com que o fogo a devastava e às circunstâncias dramáticas em que haviam morrido, durante os trabalhos de extinção, 25 militares do Regimento de Artilharia Antiaérea Fixa - Queluz (RAAF). 

O fogo lavrou - com intensidade brutal - entre os dias 6 e 12 de Setembro. 

As chamas irromperam na Quinta da Penha Longa, alastrando à Quinta de Vale Flor, Lagoa Azul e Capuchos.

Em diversos momentos, a situação apresentou-se incontrolável, sendo favorecida por elevadas temperaturas e constantes mudanças de vento forte. 

Vários pontos de referência de Sintra estiveram sob risco elevado, caso do Palácio de Seteais, Palácio de Monserrate e Parque da Pena, entre outros. A própria localidade de S. Pedro de Sintra chegou a correr perigo. 

A presença, no ar, de corpos incandescentes, originou focos de incêndio noutros pontos do concelho - Albarraque, Cacém, Colares, Gouveia, Magoito, Mucifal, Pinhal da Nazaré, Praia Grande e Praia das Maças -, obrigando à dispersão dos meios de combate. 

Foram mobilizados todos os corpos de bombeiros do distrito de Lisboa, aos quais se juntaram, ainda, por absoluta necessidade de reforços, pessoal e material de Leiria, Caldas da Rainha e Elvas. Também várias forças militares e militarizadas integraram o dispositivo de luta contra o fogo. Ao todo, estiveram, no terreno, mais de quatro mil homens em acção. 

A Lagoa Azul e o Largo do Palácio Nacional de Sintra foram, em termos estratégicos, os locais escolhidos para concentração dos meios de combate. 

"Sintra: uma vila ocupada", escrevia o jornal "Diário de Notícias", em 10 de Setembro de 1966, ao legendar uma foto que registava o abastecimento de veículos de bombeiros e militares, defronte do vulgarmente designado "Palácio da Vila". 

O actual edifício do News Museum, ao tempo quartel-sede dos Bombeiros Voluntários de Sintra, acolheu o "quartel-general de combate e alerta". 

Toda a região de Sintra ficou envolta numa enorme nuvem de fumo - negro e espesso -, sendo visível a vários quilómetros de distância. 

À noite, um "medonho clarão", que se avistava de Lisboa e arredores, fez convergir, diariamente, muitas pessoas a Sintra, para assistirem, de perto, ao gigantesco incêndio. 

Enquanto uns tinham a atenção centrada no rasto de destruição, outros combatiam o fogo até à exaustão, com todos os meios ao seu alcance. Serviu para amenizar o cansaço, a corrente de solidariedade desencadeada pelas gentes de Sintra. Por exemplo, conforme destacado pela Imprensa, "restaurantes, cafés e pensões serviram, gratuitamente, alimentos a bombeiros e soldados". 


Combate eficaz
apesar da falta de meios


Em 1966, ao contrário de outros países, não existiam, em Portugal, meios aéreos para o combate a incêndios. Por outro lado, os veículos de bombeiros não dispunham de tracção às quatro rodas e muitos menos de depósitos de grande capacidade e de bombas de grande débito. Muitas das frentes de incêndio foram debeladas com recurso, entre outras técnicas, ao batimento do fogo, quer com ramos de árvores, quer com material sapador, saldando-se num trabalho deveras penoso e extenuante. Calcule-se, portanto, as difíceis condições enfrentadas pelo pessoal combatente, na presença de altas temperaturas, agravadas pelas características dos uniformes utilizados na época, com destaque para o capacete de latão e botas de borracha. 

Apesar das condições de extrema adversidade e da ausência de meios, incluindo sistema de telecomunicações, bombeiros e militares defenderam, com êxito, o património edificado de Sintra e evitaram que o fogo atingisse maior número de área arborizada. 

A abundância de mato ressequido constituiu um dos maiores inimigos enfrentados pelos bombeiros e, por sua vez, representou um dos maiores amigos da combustão. 

Na altura, havia sido determinada a proibição de apanhar mato na serra. Como tal, a falta de limpeza dos terrenos foi um dos factores considerados na avaliação das causas da rápida propagação do incêndio. A este respeito, importa referir que o conceito de prevenção, mesmo ao nível da antiga Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, não tinha as incidências dos dias de hoje. 

Vegetação rara da serra sofreu danos bastante consideráveis, antevendo os técnicos, desde logo, a difícil probabilidade do seu florescimento. Os parques da Pena e de Monserrate salvaram-se, ao contrário da Tapada do Mouco, onde os prejuízos atingiram quase a totalidade da sua área. Os terrenos de particulares foram os mais causticados. 


Serra de luto

Grande parte da serra perdeu a sua beleza e viu-se convertida num horizonte negro, como a significar um manto de luto. Luto, também, pela perda de 25 vidas humanas. Tudo aconteceu na noite de 7 de Setembro, no Alto do Monge, numa altura em que o fogo atingiu o seu máximo. Um grupo de militares do RAAF que operava no local, sem preparação adequada para o combate a incêndios, deixou-se cercar pelas chamas… A detecção dos seus corpos carbonizados - diz quem testemunhou a tragédia - foi "chocante".

Desejada por todos, só a queda de chuva permitiu a extinção do incêndio. No dia 12 de Setembro, às sete da manhã, chegava finalmente a solução para um problema que parecera não ter fim: a chuva caía sobre Sintra. Apesar disso, numa medida de prevenção, alguns meios dos bombeiros permaneceram vigilantes no local, a fim de fazer face a inevitáveis reacendimentos. Somente, no dia 25, foram dadas por concluídas todas as operações.

Este foi o mais grave incêndio ocorrido na serra de Sintra, totalizando 50 quilómetros quadrados de área ardida. Um simples descuido, na zona da Lagoa Azul, esteve na sua origem, segundo investigação da Polícia Judiciária.

A experiência vivida pelos bombeiros, na serra de Sintra, suscitou um conjunto de reflexões, no domínio organizativo da prevenção e do combate, cuja essência permanece actual e continua a alimentar, repetidamente, no país, na época de Verão, o debate sobre o flagelo dos incêndios florestais. Ao estudo do assunto, privilegiando uma visão sistémica e nacional, dedicaram-se dois comandantes de bombeiros do concelho de Sintra: Mário Ferreira Lage (BV S. Pedro de Sintra) e José Maria de Magalhães Ferraz (BV Algueirão-Mem Martins).

Já em 1966, à semelhança do que se verifica nos nossos dias, era defendido um trabalho a montante e interligado entre as várias entidades intervenientes na problemática dos incêndios florestais…